Por Evandro Lima
Tal qual diz a canção de abertura de Salve Jorge, novela brasileira exibida pela TV Globo, a autora Glória Perez tem alma de guerreira e não se cansa de lutar, de fazer da luta de muitos a sua própria luta. Num ímpeto de coragem, ela não tem feito outra coisa a não ser derrubar o preconceito e atravessar fronteiras de tudo que é desconhecido. E também sabe revelar gente, sabe mostrar que não existe pecado do outro lado do Túnel Rebouças. Muito antes da favela se tornar constante nas novelas como vemos hoje, Glória já frequentava o subúrbio, os bailes e as gafieiras.
Na época em que a AIDS ainda era uma doença “tipicamente” gay, Glória Perez criou uma personagem soropositiva que fugia de todos os estereótipos da época.
Já estava abraçando o social e dizendo claramente para quem quisesse ouvir que qualquer um poderia ser contaminado pelo vírus do HIV se não se prevenisse.
Anos mais tarde desmitificou a "fertilização in vitro" na novela “Barriga de Aluguel”. Na verdade deu uma aula a respeito. E mesmo sabendo que religião é campo minado a ser explorado, trouxe o desconhecido para ser descortinado mais uma vez ao retratar todos os ritos das Testemunhas de Jeová através de um núcleo de personagens.
Sensibilizada com o drama da fila de transplantes e com o sofrimento de milhares de brasileiros a espera de um, fez desse triste fato a trama central de outra novela, “De Corpo e Alma”. Não satisfeita, abordou outro delicado problema: a troca de bebês nas maternidades. Promoveu milhares de encontros e reencontros e mais uma vez a cortina de fumaça estava desfeita.
Em “Explode Coração” a comunidade cigana adentrou nossas casas com seus rituais, cultura e mistérios com um único propósito: desfazer a cortina de fumaça do preconceito. E pela primeira vez os brasileiros conheceriam um mundo de onde jamais sairiam, quem diria: o universo da internet.
A cada final de capítulo de “Explode Coração” eram exibidos fotos e cartazes de crianças desaparecidas. Graças a esse olhar sensível de Glória, Explode Coração promoveu reencontros que talvez jamais acontecessem se não fossem pelo poder de alcance da telenovela.
Antenada às causas globais, ao meio ambiente, a ciência, as revoluções tecnológicas, ao comportamento humano, às emancipações e aquilo que ainda se faz oculto ou incompreensível diante de nossos olhos, coube a Glória Perez e com a licença poética que o folhetim lhe permite descortinar a fumaça que envolve a possibilidade da clonagem humana em “O Clone”. E é através do folhetim de Glória que conhecemos povos e culturas e aprendemos que o fato de mulçumanos professarem uma fé diferente do Ocidente não os faz terrorista por natureza.
Se antes duvidávamos que seres humanos pudessem ser explorados sexualmente, escravizados e traficados em pleno século 21, hoje Glória revela que sim.
Compreendemos também que as drogas é um problema de saúde pública, que é uma guerra que precisa ser enfrentada e vencida com fé, coragem e ousadia.
Sim, a dramaturgia de Glória Perez celebra as nossas humanidades, mas não descarta nem esconde nossas mazelas, as tais feridas da alma. O que Glória Perez escreve é didático, funcional, esclarecedor e com um nível de alcance que não deve ser subestimado. Salve Glória Perez!
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Evandro Lima, 37 anos, é carioca, jornalista, pesquisador de Comunicação e Cultura Urbana, ator e produtor cultural. Escreve artigos sobre televisão, cinema, música e atualidades para blogs e redes sociais. É autor do “Manifesto Cotidiano” página do Facebook onde mantém todos os seus artigos. Amante da poesia, é um dos apresentadores do Sarau Poesia de Esquina, da Cidade de Deus, um dos principais movimentos literários do Rio Janeiro.
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